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11.5.03

a matéria abaixo mostra a real correlação entre os "donos das mídias" e os políticos integrantes das comissões reguladores de rádio e TV no nosso país

Donos de TV atuam em comissão da Câmara
21/04/2003
26% dos deputados que integram órgão responsável por leis do setor possuem
emissoras de rádio e televisão
Ao menos 26% dos deputados designados para a comissão de comunicação da
Câmara são proprietários de emissoras de rádio ou TV. O órgão é responsável
pela análise de leis que atingem o setor e emite parecer sobre a liberação e
renovação de concessões.
Entre os parlamentares, estão José Carlos Martinez (PTB-PR), dono da rede de
TV CNT, e o Bispo Wanderval (PL-SP), proprietário de AMs e agente da Igreja
Universal, controladora da Record, na área da comunicação.
O levantamento foi feito pela Folha, com base em relatório do Ministério das
Comunicações. A reportagem cruzou o nome dos deputados da Comissão de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática com a lista de sócios das
cerca de 3.200 rádios e 420 TVs autorizadas a operar no país.
A pesquisa considerou apenas concessões registradas pelos deputados ou seus
familiares diretos. Não entraram na conta, por exemplo, casos como o de José
Priante (PMDB-PA). Ele é membro da comissão e primo do também deputado Jader
Barbalho, que possui rádios e a retransmissora da Bandeirantes no Pará.
Também não foi contabilizado Silas Câmara (PTB-AM), cujo irmão, Samuel
Câmara, preside um grupo de comunicação com várias TV no norte do país.
Para Murilo Ramos, professor da Universidade de Brasília especializado em
política de comunicação, 26% é um número preocupante. "É significativo que
mais de um quarto da comissão tenha interesse direto num de seus assuntos
mais candentes, que é a radiodifusão. Certamente não há uma representação
direta tão forte assim em outro setor", afirma.
Ramos acompanha de perto as votações da comissão e lembra que é preciso
considerar ainda os deputados que não são donos de concessões, mas
representam os interesses dos empresários de rádio e TV. "Nesses 26%, temos
o interesse direto. Mas ainda há a ligação indireta, dos parlamentares que
estão a serviço do setor."
CNT e Record
Dentre os 13 deputados da comissão que a Folha encontrou na lista de
proprietários de concessões, há alguns com atuação política diretamente
ligada ao tema.
Martinez, por exemplo, propôs uma lei que, se aprovada, poderia beneficiar
sua própria rede de TV. Pelo projeto 3.398/00, operadoras a cabo (como Net e
Sky) são obrigadas a levar a seus assinantes retransmissoras locais de TV
aberta, exatamente como as de propriedade do deputado. Hoje, para tê-las em
seus pacotes, a TV paga pode cobrar do canal aberto.
Martinez é vice-presidente de honra da Abratel (Associação Brasileira de
Radiodifusão e Telecomunicações), que representa interesses da Record e da
CNT.
Outro membro da entidade e forte representante do empresariado da mídia na
comissão é o Bispo Wanderval. Dono de pelo menos duas AMs e uma FM na Bahia,
ele trabalha na Câmara como interlocutor da Igreja Universal e da Rede
Record.
Em 2002, por exemplo, atuou na oposição ao projeto de Jandira Feghali (PC do
B-RJ), que obriga as redes de TV a exibir cotas mínimas de programação
regional. Wanderval conseguiu incluir no texto da lei, ainda em tramitação,
que programas religiosos possam ser considerados como de caráter regional, o
que facilitaria a adaptação da Record à regra.
O deputado também levou ao Congresso uma antiga disputa entre a emissora e o
Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), responsável pela
cobrança de direitos autorais.
Em 1999, propôs uma lei para extinguir o órgão. No dia 11 de março deste
ano, o projeto, arquivado anteriormente, foi retomado e está tramitando
novamente.
Em 2000, outra ação que poderia favorecer a Record: Wanderval propôs a
suspensão da concessão da Rede TV!, uma das principais concorrentes da
emissora.
Na recém-formada comissão de comunicação, ele deverá atuar em parceira com o
deputado Silas Câmara, também da bancada evangélica e seu colega na
vice-presidência de honra da Abratel.
Capital estrangeiro
Integra ainda a comissão de comunicação o deputado Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN). Dono de rádios e da TV Cabuji, afiliada da Globo no Rio Grande do
Norte, ele foi o relator da lei que liberou a entrada de capital estrangeiro
nas empresas de mídia do Brasil, aprovada em 2002.
O projeto, de 1997, ganhou o apoio mais forte das TVs no ano passado. Alves,
que havia se licenciado para assumir um cargo no no governo do RN, retornou
ao Congresso para reassumir o posto de relator. Depois da aprovação,
licenciou-se novamente.
A comissão de comunicação, formada por 50 membros, tem como presidente o
deputado Corauci Sobrinho (PFL-SP), dono de uma AM em seu reduto eleitoral,
Ribeirão Preto (interior de SP).
O quórum mínimo da comissão é de 26 deputados. Ou seja, com o voto de 14
deles já é possível, em situações como essa, aprovar ou barrar um projeto.
Juntos, os deputados proprietários de meios de comunicação somam 13 votos.
Laura Mattos - Folha de São Paulo